Alice caminha de cabeça baixa. Está triste. Sente-se só. Uma
coisa é estar só, outra é sentir-se só. Está frequentemente rodeada de seres
idênticos a si. Uns riem, outros falam, outros passam simplesmente por si.
Outros há que sem falar, estão em permanente contato consigo mentalmente, pois
o coração emite uma onda magnética que os mantém em contato permanente. Mas
hoje nem esses. Alice caiu. Não está só – sente-se só. Envolta em pensamentos
dúbios, hipóteses rebuscadas de traições, colocando até em causa as opções do
caminho, o otimismo não abunda de todo. Sabe que as incertezas fundamentam o
que não tem fundamento porque é incerto, proliferando a idiotice. Não consegue
parar. Há um grito interno clamando por sossego. Mas é um grito surdo, apenas
detetável pela sua consciência que a
tenta encaminhar pela via da razão. Também há dias assim. De revolta. Alice
sabe que o consolo virá da capacidade de saber esperar. Da sabedoria alcançada
com a maturidade. Mas é difícil a espera. Alice questiona o caminho, questiona
se tem capacidade para saber esperar. Hoje não. Hoje nada. É melhor nada fazer.
Amanhã será um melhor dia para continuar, sem sombras. Pausadamente Alice fecha
os olhos e o coração, e descansa.
“cego
de ser raiz
imóvel
de me ascender caule
múltiplo
de ser folha
aprendo
a ser árvore
enquanto
iludo a morte
na folha tombada do tempo “
© MIA COUTO
In Raiz de Orvalho e outros poemas, 1999
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