sexta-feira, 3 de julho de 2015

A grande caminhada da Vida V


Alice caminha de cabeça baixa. Está triste. Sente-se só. Uma coisa é estar só, outra é sentir-se só. Está frequentemente rodeada de seres idênticos a si. Uns riem, outros falam, outros passam simplesmente por si. Outros há que sem falar, estão em permanente contato consigo mentalmente, pois o coração emite uma onda magnética que os mantém em contato permanente. Mas hoje nem esses. Alice caiu. Não está só – sente-se só. Envolta em pensamentos dúbios, hipóteses rebuscadas de traições, colocando até em causa as opções do caminho, o otimismo não abunda de todo. Sabe que as incertezas fundamentam o que não tem fundamento porque é incerto, proliferando a idiotice. Não consegue parar. Há um grito interno clamando por sossego. Mas é um grito surdo, apenas detetável  pela sua consciência que a tenta encaminhar pela via da razão. Também há dias assim. De revolta. Alice sabe que o consolo virá da capacidade de saber esperar. Da sabedoria alcançada com a maturidade. Mas é difícil a espera. Alice questiona o caminho, questiona se tem capacidade para saber esperar. Hoje não. Hoje nada. É melhor nada fazer. Amanhã será um melhor dia para continuar, sem sombras. Pausadamente Alice fecha os olhos e o coração, e descansa.


“cego
de ser raiz

imóvel
de me ascender caule

múltiplo
de ser folha

aprendo
a ser árvore
enquanto
iludo a morte
na folha tombada do tempo “


© MIA COUTO
In Raiz de Orvalho e outros poemas, 1999 

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