Falou comigo noite fora. Desabafou por entre a madrugada e cada lágrima sua foi apagando uma a uma, as estrelas que curiosas teimavam em ouvir a conversa. Matilde, chamemos-lhe assim, está apaixonada. O seu coração bate forte por alguém e mais bateria se pudesse dar livre caminho a esse amor impossível. O amor em si nunca é impossível, qualquer um está sujeito a sentir tamanho sentimento da forma que ele se manifestar. O objecto de desejo desse amor é que pode não ser o mais indicado... e é o caso. Matilde é uma mulher no meio de tantas. Solteira aos 48 anos, ficou sem pai muito cedo. A mãe lá teve de se virar para criar os dois rapazes mais a pequenina, ela, a mais nova. Os irmãos sempre a protegeram demasiado não a deixando viver coisas próprias que devia ter vivido. Sempre viveu com a mãe e fez dos sobrinhos os filhos que nunca teve. Aquela vida caseira, de coser com a mãe, manteve-a verde para os homens que a cobiçaram até uma certa idade e passaram depois a ignorar. Mas chegou o dia da mãe partir e Matilde, como que se libertou. Libertou-se da prisão da vida com a mãe e lançou-se na prisão do primeiro amor que a iludiu. Sim, prisão. Matilde é a segunda escolha de um homem casado e bem posicionado na sociedade. Caiu nos seus braços acidentalmente e desde então que não vê nada mais à frente. Vive para os pequenos encontros furtivos. Prepara-se para o fazer feliz a qualquer hora, estando sempre disponível e espera que ele a queira. E ele não vai. E ele desliga a chamada e fica incontatável. Ela chora. Chora porque não pode ir jantar com ele e mostrar o "seu" homem. Não pode sentar-se numa esplanada com ele a rir enquanto bebem um copo. Não pode contar com o seu abraço quando está em baixo, pois para ele está sempre bem disposta para não desperdiçar o tempo que lhe é concedido com ele. Não põe sequer a hipótese de acabar com este sofrimento. É que quando não sofre, é imensamente feliz porque está com ele ! e pergunto, que amor lhe tem ele ?... que sentimentos movem este homem ? Não acredito que em casa tudo corra bem pois mulher que se preze, coloca a intuição feminina a trabalhar e chega lá num instante... Dará "jeito" ? Poderá a situação financeira familiar sustentar a farsa de uma família feliz ? às vezes reduz-se a vida e os relacionamentos a situações impensáveis. A vida, o amor, a proximidade com alguém tem de ser muito mais do que aparenta ser à partida. Tem de ser algo crescente, límpido, bonito, que nos deixe viver sem culpas. Gosto muito da Matilde, mas vou gostar ainda mais quando ela se conseguir libertar e ser ela própria. Tem de querer. A solução está dentro dela. Tenho fé.
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