sexta-feira, 29 de abril de 2016

Falar sozinho...

De manhã quando me sentei para beber um café na esplanada, ligeiramente à esquerda em frente estava um senhor sozinho também sentado à mesa, de costas para mim. O tabuleiro já estava vazio e ele falava  num tom baixo enquanto gesticulava, como quem explica algo a quem está em frente a si. E fazia pequenas pausas e retomava a conversa. Não consegui perceber uma única palavra. E à frente dele só havia um vidro transparente que mal o refletia. O senhor estava impecavelmente vestido, de fato cinzento, clássico, camisa branca, óculos escuros tipo Ray-ban, chaves de casa e carro, uma caneta tipo Cross e sem qualquer aliança nos dedos. Aparentava mais de 70 anos. Nunca alterou o tom de voz.
Fiquei ali a observá-lo, com vontade de perguntar à empregada se era um cliente habitual, se falaria sózinho ou para alguém imaginário. Achei tão triste. Primeiro porque não fiz absolutamente nada, a não ser segui-lo quando se levantou. E depois porque a solidão é sempre tramada e pode conduzir a depressão e até mesmo esquizofrenia. Será que alguém da família deste senhor já se apercebeu do que se passa ? É que enquanto o segui, ele não falou sozinho, não fez nada de estranho, simplesmente caminhou até ao outro lado do parque e entrou na sua viatura. Não o vi ir embora. Pensei por momentos que era eu que estava a ser paranóica.
Eu também falo sozinha, mas não é assim. Falo comigo, repreendo-me por vezes, ou se estou meio desorientada digo baixo o que estou a fazer para me ajudar a concentrar, ou se estou a trabalhar com números por vezes ouvir-me é como confirmar que estou a fazer bem. Se tiver de apresentar algo também treino o discurso antes. Não falo sozinha na rua. Mas também não sou uma pessoa só. Sou uma pessoa que escolhe ficar só de vez em quando por um bocadinho, para ter um tempo próprio, tranquilo. É preciso estar atento. Aquilo que se escolhe pode ter muitas consequências. E o que se escolhe tem sempre um estímulo anterior que leva a essa escolha. Por vezes confundem-se as escolhas com o que  certa pessoa vê como um único caminho. Tem de enquadrar-se no quadro social e psicológico do indivíduo porque as respostas estão todas lá. O ser humano precisa de comunicar mas comunicar só se verifica entre dois pontos em que um emite e o outro recebe o qual por sua vez envia nova mensagem ao primeiro, estabelecendo uma troca. Parece-me que quando as pessoas falam desenfreadamente como o senhor que observei, é porque já estão a dar resposta ao seu próprio pensamento. Quero acreditar que ele não via alguém à sua frente...





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