segunda-feira, 2 de maio de 2016

Conto "L & J" - parte 4 (final)

O carro de Jorge foi encontrado durante o período da tarde desse dia, na encosta de uma perigosa estrada a cerca de 30 km da sua residência.  O corpo, encontrado umas horas depois, fora cuspido durante o capotamento. Lurdes perdera muito sangue durante a cesariana e entrara em estado febril. Continuava na sala de observação após doze horas sem ver os seus bebés, sem ver ninguém. Os recém nascidos estavam aos cuidados das enfermeiras atentas que rondavam as incubadoras. Melhorou durante a noite e de manhã transferiram-na para o quarto. A meio da manhã, bateram à porta e entrou um rapaz alto, barba aparada, olhar doce, com um à vontade solto mas educado. Sentou-se na cama a olhar para ela. Lurdes sentia como se o conhecesse mas não sabia quem era nem o que dizer, afinal esperava a visita do marido e aparecia-lhe um sedutor a falar com os olhos ?! Era Júlio. Cabia-lhe dar a trágica notícia à cunhada que ainda não conhecera, os pais estavam destroçados e o irmão telefonou-lhe para que viesse o mais rápido possível. E ali estava ele perante uma mulher serena, que acabara de ser mãe outra vez, cujos olhos o interrogavam sobre quem seria. Apresentou-se e não tendo como evitar ou disfarçar, deu-lhe a notícia nua e crua. Lurdes ficou branca mas não chorou. Olhou para a luz que vinha da janela com o olhar perdido e apenas disse: “já sentira que algo terrível tinha acontecido, obrigada por teres vindo. Se foi a vontade de Deus… temos de aceitar e continuar. Já viste os bebés ?” Júlio disse que não. Não podia imaginar que Lurdes era assim tão corajosa. Ou será que de algum modo já esperaria um desfecho como este ? Ou será que Jorge tinha aberto totalmente o seu coração à sua mulher e contado aquilo que Júlio nunca lhe perdoou ? Não era pessoa de ficar na dúvida e apesar de não conhecer a cunhada teve de abrir o jogo com ela e perguntar-lhe o porquê daquela reação tão pouco reativa, tão pouco emotiva. Lurdes disse que pressentira que a sua vida iria mudar radicalmente. A fraca relação com o marido, as suas ausências e falta de apoio, não poderia continuar uma vida de mentira. E mais. Na galeria tinha feito amizade com Marta, uma mulher pouco mais velha que ela com um passado difícil, mãe solteira de um lindo rapaz de 10 anos chamado... Jorge. Sim, Lurdes sabia desse filho do marido e nem Marta sonhava que afinal Lurdes era casada com o pai do seu filho. Esperava que o marido se abrisse consigo e lhe dissesse porque não assumia a criança, esperava que lhe dissesse onde passava as noites, ou que justificasse as ausências inesperadas com as crises de asma do filho. Júlio ficou com os olhos cheios de lágrimas e perguntou-lhe se ela sabia porque estava ele longe da família. Lurdes abanou a cabeça negativamente. Então o cunhado contou-lhe que Marta era a mulher da sua vida, conhecera-a acidentalmente numa saída do Metro no aeroporto e desde aí tinha percebido que era ela a quem desejava. No entanto, numa festa de fim de semana para a qual convidou Jorge porque este pouco saía na altura, Júlio foi chamado de urgência ao hospital devido a um grave acidente ocorrido na auto-estrada. Marta ficou aos cuidados de Jorge e entre copos e danças, acabaram por se envolver e sairam os dois quentes e loucos, prestes a explodir de excitação sexual. Não correu como seria esperado pois Jorge acabou por forçar a situação, deixando Marta com algumas marcas de agressão. No dia seguinte, Júlio teve vontade de matar o irmão quando este lhe contou o descontrole que tinha dito. Procurou  Marta por todo o lado e nunca conseguiu em lugar nenhum qualquer notícia dela. Não conseguia encarar o irmão, a família, e decidira ir para longe. Agora sabia de Marta. A sua Marta que não soube defender do próprio irmão...

Com a herança que recebeu, Lurdes decidiu sair da quinta e mudou-se para uma casa térrea, modesta em pleno campo. Consigo levou os filhos, naturalmente, e a babysitter que conhecia os seus filhos tão bem como ela. Tinha a serenidade que precisava para pintar e a galeria começava a ter o sucesso com que sonhara. No momento não precisava de mais nada.
Nunca contou a Marta quem era verdadeiramente. E Júlio tinha embarcado para África após o funeral. Não podia apagar o passado porque senão nem teria os filhos que tanto amava. Mas achou que seria melhor guardar esse pedaço da história na gaveta, pois não beneficiaria ninguém. Só lhe restava desejar que a filha não se apaixonasse no futuro por um Jorge ...

FIM

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