segunda-feira, 18 de abril de 2016

Conto "L & J" parte 3

Passaram meses. Passaram cerca de dois anos. Lurdes deixara de ir contar histórias aos infantários da segurança social, ação de voluntariado exercida até ao casamento. A vida mudara radicalmente e embora soubesse que muitas sonhariam com uma vida como a dela, não era aquilo que tinha desejado para si própria. A única coisa que mantinha era isolar-se diariamente umas horas no atelier que tinha conseguido levar para a quinta dos sogros. Aí, a sua alma soltava-se e dava aso a quadros maravilhosos em várias técnicas e com diversos materiais. O sossego da natureza que lhe entrava pelas janelas, era como se a transportasse para fora de si mesma até se sentir perfeitamente leve e integrada nessa atmosfera idílica. Cada vez mais procurava esse seu canto. Jorge queixava-se constantemente de cansaço, chegava tarde e para além disso pouco falava com quem quer que fosse dentro de casa. Não lhe permitia que voltasse a dar aulas e agora que estava grávida pela segunda vez e já sabia que seriam gémeos, muito menos essa hipótese seria viável. A relação estava inevitavelmente tremida. Socialmente funcionava. Eram adultos, educados, bem formados. Jorge parecia ter orgulho na mulher que apresentava em jantares e Lurdes tinha tudo quanto podia desejar ao nível material. Os sogros eram atenciosos e já tinham detetado algo fora do normal. Teresa, a cunhada, dizia-lhe que Jorge admirava-a muito pela sua força interior, pela tranquilidade que emanava, pela dedicação que tinha pela filha de ambos, mas Lurdes não era feliz. Gostava de saber porque o seu marido desaparecia por vezes sem dar explicações, porque passou a beber um pouco mais que o habitual, porque chegava de madrugada uma vez por outra. De facto não era mal tratada mas havia situações inadmissíveis. Como aquela em que alugara a galeria para a primeira exposição das suas obras e Jorge chegou quando já estavam a fechar as portas. Ou quando a levou para ter a filha na clínica e inventou uma emergência para ir para a fábrica. Ela soube que ele nem sequer apareceu na fábrica nesse dia. Pois. Lurdes tentava dialogar com o marido mas ele alegava que estava tudo bem, pedia desculpa que estava cansado e adormecia. Será que só ela via que estavam condenados a uma separação ? Numa noite, Lurdes não deixou passar em branco o facto de Jorge chegar quase à duas da manhã. Houve uma feia discussão em que ambos perderam o controle e o tom das suas vozes acabou por acordar os familiares. Jorge voltou a sair e bateu com a porta alta da entrada depois de descer as escadas a correr. Lurdes enervada com toda a situação, começa com contrações fortes e rapidamente é levada para a clínica, pois embora faltasse pouco mais de um mês para o parto é natural que gémeos nasçam antes do tempo. E assim foi. Os dois meninos nasceram saudáveis com pouco mais de dois quilos cada. E Jorge, onde andaria ? às nove horas da manhã ainda ninguém o conseguira contactar. Temia-se o pior…


(continua...)


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