sexta-feira, 15 de abril de 2016

Conto "L & J" parte 2


Jorge sempre fora bom menino, bom filho, bom aluno. Desde pequenino que o pai o levava para a fábrica de têxteis que proliferava a olhos vistos. Quando chegou a altura de ir para a faculdade, fez o curso de Gestão com distinção sem perder nenhum ano e ficou logo a trabalhar junto do pai. Tinha um restrito número de amigos e amigas com quem passava férias, mas o facto de acumular responsabilidades na fábrica não lhe deixava muito tempo livre.  A relação com os irmãos era curiosa. Com José, tinha uma relação de amizade profunda proporcionada pelos apenas onze meses de diferença que separavam os seus nascimentos. José estudara Direito e tinha escritório numa sociedade de advogados. Já com Júlio havia um misto de amor/ódio pela forma livre e leve com que levava a vida. Júlio tentara estudar Relações Internacionais mas a meio do segundo ano desistiu. Seguiu Enfermagem e arranjou colocação em Manchester onde ficou por um ano. Assim que pode, embarcou num avião rumo a Migori, no Quénia, na esperança de contribuir para melhorar as condições de saúde daquela região. Jorge admirava o irmão, a sua coragem de partir para ajudar o próximo, mas não entendia porque era preciso ir para tão longe para ajudar alquém que não conhecia e deixar a mãe com o coração constantemente em sobressalto. Sobrava sempre para ele a sustentação do equilíbrio familiar e começava a ficar saturado disso. Parecia que todos esperavam que ele fosse o melhor em tudo, que não aceitavam que falhasse, tinha de se manter no topo, ter resposta para tudo o que surgia e na maior parte das vezes escondia sentimentos para não abalar a sua virilidade perante os demais. A par dessa situação, começava a ser pressionado para constituir família. O facto de ter já trinta e cinco anos e não ter sequer uma namorada preocupava os pais, os quais estavam casados desde os vinte e embora compreendessem que tudo era diferente dos tempos deles, ansiavam ter os filhos bem encaminhados e a casa cheia de netos. Jorge também já sentia há muito a necessidade de alguém, mas a vida agitada da fábrica não lhe permitia grandes investidas no sexo feminino, para além de que quando saía com os amigos as mulheres com quem conviviam não eram de modo nenhum o que queria para si.
Foi numa tarde de quinta-feira que teve uma aberta e de cabeça cheia meteu-se no BMW e dirigiu-se à beira mar para arejar as ideias. Enquanto caminhava com o vento de frente, reparou numa figura feminina de cabelos revoltos, descalça, sentada na areia fixando o movimento das ondas de olhar perdido. Quem seria e o que estaria ali a fazer sózinha ?... Olhou para o relógio e apressou-se para a reunião do fim do dia com os fornecedores.
Numa noite de aniversário de um amigo, Jorge voltou a ver a mulher que encontrara na praia. Parecia simpática e bem disposta. Ao mesmo tempo que se rodeava de várias pessoas, não parecia comprometida com ninguém. Os olhares cruzaram-se entre os dois e ela esboçou um sorriso. Jorge sentiu-se atingido por um sentimento estranho e de súbito queria conhecê-la, queria falar-lhe, cheirar os seus cabelos, sentir a pele do seu rosto mas quando pensou em dar o primeiro passo, chegou um amigo dela que a levou pelo braço para a pista de dança. Tinha de fazer alguma coisa antes que desaparecesse a única mulher que o despertara seriamente ! E fez. Pegou em dois copos de gin, deixou de ouvir a música e dirigiu-se a ela convidando-a a segui-lo até ao pequeno alpendre com vista para o lago. Ali se apresentaram brevemente e a luz da lua enfeitiçou-os de tal forma que parecia que o tempo tinha parado para que os seus lábios se tocassem e selassem as suas vidas. Sairam dali rumo à mesma praia onde tinham estado separadamente e tudo fluiu muito rápido entre os dois. Mas Jorge guardava segredos e Lurdes nem sonhava o que teria de enfrentar no futuro.

(continua...)

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