terça-feira, 24 de março de 2015

MULHERES DA MINHA VIDA (III)

“Quando damos assim as mãos… o que é que sentes?”
Sinto amor, cumplicidade, felicidade, paz. Sinto-te um prolongamento  de mim, uma extensão, és uma esperança, serei uma memória viva em ti, no teu coração – foi o que consegui responder de imediato.

Esta miúda desde sempre me ativou os neurónios e a caixinha dos sentimentos. Muito conversava com ela no ventre. Muitos vocalizos me dirigiu desde cedo e gritava para chamar a atenção. Com pouco mais de um ano começou a falar claramente. E a cantar. Perguntas sempre fez. Muitas. Continua a fazer e a receber resposta. Acho que a melhor coisa que lhe aconteceu foi aprender a ler pois chorava por não conseguir juntar as letras com a urgência que sentia. Fecha-se a ler até acabar o livro escolhido. Sempre falámos muito uma com a outra independentemente dos anos que nos separam no calendário. Por vezes é mais adulta que eu nos conselhos. É prática, realista, persistente, segura de si, inteligente, flexível. E tem espirito de artista. Sonha, escreve, faz acontecer, projeta, constrói com as mãos. Vê o que não é percetível. Compara comportamentos. Emociona-se com filmes ou palavras, ou animais… Tem uma memória de elefante e desde tenra idade. Fala de política e dos problemas dos Bancos. Sempre quis ser veterinária mas chegou à conclusão que não pode porque não suportaria ver os animais a sofrer sem conseguir salvá-los por vezes. Falou em ser escritora. Hoje disse-me que talvez seja psicóloga um dia. Seja o que quiser que estarei cá para a apoiar. Diz que serei uma avó doida (acho que sim). É uma força da natureza, uma luz nas nossas vidas. Aprendo muito com ela todos os dias. É a minha Princesa, a minha filhota linda.

segunda-feira, 23 de março de 2015



Temos amigos e conhecidos. 
Invariavelmente confundimos os dois grupos. Há conhecidos que ao fim algum tempo se tornam amigos. Há amigos, que nunca o foram, embora pensássemos que sim. Há amigos que sempre o foram e saberemos que hão de ser sempre. São poucos e ainda bem. Qualquer peça rara tem muito mais valor precisamente por isso. Por ser rara. Os amigos dos amigos quase nunca o são para nós. Fazem o jeito. Há um acréscimo, um aumento da linha elástica da amizade que quando se solta… ui ! bate com força ! e depois há um espaço de tempo que tentamos intercalar entre uma situação de amizade dúbia na juventude e a situação de hipotética amizade madura na meia idade (eu disse meia idade ?!) e finalmente obtém-se a certeza de que eras jovem mas não eras estupida. Por alguma razão não permaneceram certas “amizades”. Os amigos de infância permanecem para sempre nas nossas vidas. Aquele desenvolvimento partilhado nas aulas e recreios da escola primária, as festas de aniversário em que todos comiam bolo de aniversário nem que fosse por respeito (ou porque o bolo era feito pela mãe ou avó do aniversariante e não de compra como hoje acontece na maior parte das vezes), as bicicletas emprestadas porque nem todos tinham… há um conjunto de valores que permanecem em nós e nos aproxima mesmo que por muito distantes. Depois há outros amigos que se revelam em situações especialmente marcantes e que vão ficando no nosso círculo de contatos. Talvez os vejamos esporadicamente mas se nos sentarmos a beber um café esquecemos o tempo e as palavras multiplicam-se até mais não. É como se não houvesse tempo perdido entre dois encontros. E há os amigos recentes. E nos amigos recentes as coisas acontecem de forma diferente. É engraçado porque parece-me omitir-se algo propositadamente para não perder o tempo que afinal até já passou e se passou, acabou, não interfere. Mas contribui para o agora. Há uma urgência comum em querer viver o momento. E esse tempo passado não é mais que um tempo absolutamente comum mas cronologicamente desencontrado. E que se reflete no presente. São esses pequenos pontos comuns que estabelecem o rumo das pessoas que acabam por se encontrar (aparentemente) por acaso e parecer que até já se conhecem…

sexta-feira, 20 de março de 2015



Quanto mais alegria dou aos outros mais se esgota em mim. Sorrio fingida nesta dor, nesta mágoa que vai alastrando no meu peito. Transbordo amor pelos olhos em gotas salgadas que se tornam grandiosas lançadas ao mar… esse macho que tantos filhos alberga… e inconstante tanto acaricia a areia como lhe bate, enrolando conversas… Ah, apetece-me gritar ! quero correr até ficar tão cansada que caia simplesmente no solo nu, extasiada, sem forças para proferir qualquer palavra, sem forças para pensar ou demonstrar qualquer sentimento, sem perceção de nada a não ser de estar ainda com vida e com os sentidos todos. Ando desiludida com as pessoas. Sempre com pressa ou a falarem de superficialidades, ou a quererem saber da vida alheia… tenham dó, estou farta, cansada. E depois esta minha mania de tentar arranjar uma explicação para tudo, este querer compreender tudo e todos mediante algo que justifique o comportamento de determinada pessoa, esta disponibilidade para ouvir os outros… estou a desgastar-me. Talvez seja mesmo melhor que me desgaste, que me desfaça para que me renove, que o meu eu se desfaça em cinzas para que magicamente solte a fénix renascida, liberta de tudo para começar de novo. Sempre paciente para todos e quando procuro alguém ou não está disponível ou ouve e não percebe nada do que digo… Começo a pensar que vou enlouquecer antes da altura prevista, que seria mais para o fim do percurso da vida. A não ser que esteja mais perto do que alguma vez pensara… Não. Tenho tanto para dar. Tenho tanto para aprender. Faço parecer tudo simples, natural, com uma ideia de felicidade impressa em cada gesto como se fizesse tudo o que deve ser feito… amiga de todos e cada vez mais isolada na imensidão das gentes que correm à minha volta loucos para ultrapassar o próprio Tempo e conseguirem fazer tudo a tempo do Tempo chegar depois. Tanta ilusão. Afinal o que é real ? a criatividade que alimenta a imaginação de uma criança é real e proporciona bem estar, muito embora a maior parte do seu produto seja ilusório e irreal. (Tanto pensamento que se cruza na minha cabeça simultaneamente…) Estou para aqui a lamentar-me e tenho uma vida maravilhosa comparativamente com tanta gente no mundo. Tenho comida, um teto, conforto, emprego, viatura própria… e amor. É o amor que faz andar tudo para a frente, não é ? às vezes até cura pequenas maleitas… e grandes… às vezes está tão perto e não o vimos. Vale apena procurá-lo ? ou ele encontra-nos onde estivermos ? Ainda não aprendi isso sobre a vida.

Written in a bad day...

quarta-feira, 18 de março de 2015

VIVE SEM DESCULPAS !

Ocasionalmente devemos fazer curtas pausas no caminho (não no tempo, que esse continua sempre).  A caminhada longa e contínua sem paragens, cansa. Vicia, desinteressa. Assim, é a vida. O que torna todos os dias iguais (nunca são verdadeiramente, pois não ?) é aceitares sem reação o que já estava programado e cumprires cegamente sem propores qualquer tipo de alteração. Porque tudo é igual e se faz sempre da mesma maneira, não desperta interesse e tudo acontece automaticamente. Por outro lado, se fizeres algo de diferente todos os dias, melhoras o teu dia e provavelmente o dos outros, mesmo dentro das macro rotinas obrigatórias… Experimenta um pequeno-almoço diferente todos os dias. Segue uma ordem diferente do dia anterior para vestir cada peça de roupa. Saltos altos ontem ? descontrai e calça algo confortável… larga a mala e leva uma mochila pequena ! Não ouças sempre a mesma estação de rádio no carro, muda para ouvires assuntos e musicas diversas. E canta no carro. E ri-te. E acena ao condutor do lado. Toma uma estrada diferente ocasionalmente já que o destino será o mesmo. E se te apetecer, para e admira a paisagem. Claro que se fores de comboio, tens de pensar em alternativas, ou mudas de carruagem ou sais noutra estação e desfrutas do desconhecido. Se der para sair mais cedo dessas quatro paredes que te prendem diariamente, não vás a correr para o supermercado – dá um passeio pela beira de um qualquer curso de água, observa os patos num lago e tenta abstrair-te de todos os sons para além dos da natureza … e saboreia. Desfruta da tua companhia e ouve-te sem reservas. Atende a pequenos desejos inofensivos mas que te darão imenso prazer e vontade de continuar a dita caminhada. Desarruma a tua vida para voltares a arrumar de outra forma, excluindo desperdícios acumulados sem razão aparente. Dá cor aos teus dias com atos luminosos na ajuda a terceiros. Inspira sorrisos, expira tranquilidade. Respira vida. Troca fraquezas por coragem e vai, enfrenta a loucura diária e arrisca viver sem desculpas ! 

terça-feira, 17 de março de 2015


A menina sem palavra, de Mia Couto



A menina não palavreava. Nenhuma vogal lhe saía, seus lábios se ocupavam só em sons que não somavam dois nem quatro. Era uma língua só dela, um dialecto pessoal e intransmixível? Por muito que se aplicassem, os pais não conseguiam percepção da menina. Quando lembrava as palavras ela esquecia o pensamento. Quando construía o raciocínio perdia o idioma. Não é que fosse muda. Falava em língua que nem há nesta actual humanidade. Havia quem pensasse que ela cantasse. Que se diga, sua voz era bela de encantar. Mesmo sem entender nada as pessoas ficavam presas na entonação. E era tão tocante que havia sempre quem chorasse.
Seu pai muito lhe dedicava afeição e aflição. Uma noite lhe apertou as mãozinhas e implorou, certo que falava sozinho:
— “Fala comigo, filha!”
Os olhos dele deslizaram. A menina beijou a lágrima. Gostoseou aquela água salgada e disse:
— “Mar”…
O pai espantou-se de boca e orelha. Ela falara? Deu um pulo e sacudiu os ombros da filha. “Vês, tu falas, ela fala, ela fala!” Gritava para que se ouvisse. “Disse mar, ela disse mar”, repetia o pai pelos aposentos. Acorreram os familiares e se debruçaram sobre ela. Mas mais nenhum som entendível se anunciou.
O pai não se conformou. Pensou e repensou e elabolou um plano. Levou a filha para onde havia mar e mar depois do mar. Se havia sido a única palavra que ela articulara em toda a sua vida seria, então, no mar que se descortinaria a razão da inabilidade.
A menina chegou àquela azulação e seu peito se definhou. Sentou-se na areia, joelhos interferindo na paisagem. E lágrimas interferindo nos joelhos. O mundo que ela pretendera infinito era, afinal, pequeno? Ali ficou simulando pedra, sem som nem tom. O pai pedia que ela voltasse, era preciso regressarem, o mar subia em ameaça.
— “Venha, minha filha!”
Mas a miúda estava tão imóvel que nem se dizia parada. Parecia a águia que nem sobe nem desce: simplesmente, se perde do chão. Toda a terra entra no olho da águia. E a retina da ave se converte no mais vasto céu. O pai se admirava, feito tonto: por que razão minha filha me faz recordar a águia?
— “Vamos filha! Caso senão as ondas nos vão engolir”.
O pai rodopiava em seu redor, se culpando do estado da menina. Dançou, cantou, pulou. Tudo para a distrair. Depois, decidiu as vias do facto: meteu mãos nas axilas dela e puxou-a. Mas peso tão toneloso jamais se viu. A miúda ganhara raiz, afloração de rocha?
Desistido e cansado, se sentou ao lado dela. Quem sabe cala, quem não sabe fica calado? O mar enchia a noite de silêncios, as ondas pareciam já se enrolar no peito assustado do homem. Foi quando lhe ocorreu: sua filha só podia ser salva por uma história! E logo ali lhe inventou uma, assim:
Era uma vez uma menina que pediu ao pai que fosse apanhar a lua para ela. O pai meteu-se num barco e remou para longe. Quando chegou à dobra do horizonte pôs-se em bicos de sonhos para alcançar as alturas. Segurou o astro com as duas mãos, com mil cuidados. O planeta era leve como um baloa.
Quando ele puxou para arrancar aquele fruto do céu se escutou um rebentamundo. A lua se cintilhaçou em mil estrelinhações. O mar se encrispou, o barco se afundou, engolido num abismo. A praia se cobriu de prata, flocos de luar cobriram o areal. A menina se pôs a andar ao contrário de todas as direcções, para lá e para além, recolhendo os pedaços lunares. Olhou o horizonte e chamou:
— “Pai!”
Então, se abriu uma fenda funda, a ferida de nascença da própria terra. Dos lábios dessa cicatriz se derramava sangue. A água sangrava? O sangue se aguava? E foi assim. Essa foi uma vez.55899_alt
Chegado a este ponto, o pai perdeu voz e se calou. A história tinha perdido fio e meada dentro da sua cabeça. Ou seria o frio da água já cobrindo os pés dele, as pernas de sua filha? E ele, em desespero:
— “Agora, é que nunca”.
A menina, nesse repente, se ergueu e avançou por dentro das ondas. O pai a seguiu, temedroso. Viu a filha apontar o mar. Então ele vislumbrou, em toda extensão do oceano, uma fenda profunda. O pai se espantou com aquela inesperada fractura, espelho fantástico da história que ele acabara de inventar. Um medo fundo lhe estranhou as entranhas. Seria naquele abismo que eles ambos se escoariam?
— “Filha, venha para trás. Se atrase, filha, por favor”…
Ao invés de recuar a menina se adentrou mais no mar. Depois, parou e passou a mão pela água. A ferida líquida se fechou, instantânea. E o mar se refez, um. A menina voltou atrás, pegou na mão do pai e 0 conduziu de rumo a casa. No cimo, a lua se recompunha.
— “Viu, pai? Eu acabei a sua história!”

E os dois, iluaminados, se extinguiram no quarto de onde nunca haviam saído.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Há tantas pessoas mal-amadas. Ou que amam pouco o que, ou quem querem amar. Ou que têm até muito amor para dar mas não sabem muito bem o que fazer com ele ou como o distribuir. Ou atribuem culpas à falta de tempo (?), ou são escravos de regras sociais, ou conveniências familiares... Isto faz-me pensar em tanta coisa, de tanta maneira diferente. Em tantas formas de amar…tão simples. Porque se há de complicar aquilo que é natural ?

quinta-feira, 12 de março de 2015



MULHERES DA MINHA VIDA (II)

Sempre foi a matriarca da família. Podia ser sua filha pois quando nasci ela tinha 41 anos. Sou sua neta com muito orgulho. Sempre teve regaço para acolher almas puras. Crianças, portanto. O seu amor pelas crianças espalhava-se até ao fim da rua e até o mais envergonhado vinha dar um beijinho e levava um abraço cheio de sentimento, na certeza que poderia voltar a buscar mais. A minha infância foi cantada pela sua voz que trinava à moda antiga “Cantigas da Rua” ou “oh tempo volta para trás” entre outras. Guardo o cheiro das flores do quintal (as ervilhas de cheiro…) e o cheiro de roupa engomada nas manhãs de inverno em que acordava na sua (nossa, de todos) casa. Os lanches de fatias douradas com a cafeteira a deixar assentar o café… Hummm ! A capoeira onde me misturava com os coelhos, galinhas … (chegámos a ter patos). Vivências únicas naquelas manhãs em que cedo partíamos de mão dada para ir ao rabisco de figos, uvas, nozes, pinhas, marmelos … ou antes disso, aos caracóis para animar as noites de bailes nos santos populares. Mostrou-me ninhos de melros, lagartas, lagartixas… Um dia matou uma cobra que surgiu à minha frente quando íamos apanhar trufas. Mulher destemida, trepava árvores como ninguém mais que eu conhecesse. Mesmo cheia de dores, nunca desistiu. Ensinou-me muito mesmo sem saber ler. Éramos a companhia uma da outra. Fomos durante 9 anos. Depois a família aumentou e mais crianças o seu colo acolheu. A mesa sempre deu para todos. Todos tivemos o seu amor de igual maneira. Sempre acompanhou a evolução dos tempos e aceitou as inevitáveis mudanças. Soube ouvir e compreender cada membro da família sem críticas. Sempre abordou qualquer tema sem preconceitos. Graças a Deus ainda temos o benefício do seu abraço, do seu sorriso e desfrutamos deles com muito amor, como sempre nos ensinou. Minha avó materna.

terça-feira, 10 de março de 2015



Tu
Que brincas com os elementos
Deixas as ideias crescerem com a intensidade do vento
Olhando o horizonte
Perdes-te num por de sol errante
E purificas-te pelo corvo-marinho
Que sacode as asas no cimo da rocha
Vives o tempo sem que te marque
O sol acarinha-te a pele e quase te basta
Mas a minha serra pergunta por ti
Quer saber a tua canção
Acolher as cores do teu pensamento
Qual tempestade de sentimentos
Palete de atonalidades
Consigo ouvir os teus passos distantes
Os teus olhos brilham
E as estrelas na noite sorriem
Pois sabem onde estás e guardam segredo

Sussurra-me a Lua que virás num dia de muita luz

http://youtu.be/2O2pzNRb3oQ

sexta-feira, 6 de março de 2015




MULHERES DA MINHA VIDA (I)

Às vezes (só às vezes para não cansar) questiono-me sobre o que sou e porque sou assim.  Melhor dizendo, a mulher que sou e que influências de outras mulheres contribuíram para ser esta mulher. E distinguir quais foram essas mulheres e o que aprendi com elas. Foram/são especiais.

A primeira de todas ainda hoje é fundamental na minha vida. Quanto maior o seu frágil coração fica, mais pequenina a sua estatura. Dá-se invariavelmente a quem nada pede. E com todas as suas limitações físicas, esquece-se de si para chegar a quem precisa. E quando volta está cansada mas com um semblante feliz. E fala com a voz embargada evitando uma ou outra lágrima porque lhe faz confusão a solidão em que os outros possam estar. E esquece-se de si. Foi aos poucos libertando tempo para Deus e hoje está mais próxima Dele. E em pequenos gestos seus nota-se a Sua presença.

É uma lutadora. De tanto agarrada à vida, tem vivido em função da morte que a espreita em cada esquina. E isso inevitavelmente, condicionou-a e continua a manifestar-se de diversas formas. Prepara o caminho da vida como se pudesse partir a qualquer momento. Mas não o faz a pensar em si, mas sim nos outros. Desde pequena me preparou para a emancipação, para a independência a todos os níveis. Se o sou hoje, é a ela que o devo essencialmente. Esse amor distante em que insiste e parece frio, é mais poderoso que a força de um vulcão quando explode, é um amor contido, desligado para que se sofra menos na sua ausência. Pensa ela. Ou quer fazer crer. Trata a morte por tu. Para quê ? pergunto eu, ela é inevitável, é a certeza mais certa que todos teremos. Faz-se forte e ignora fragilidades diariamente. E fala muito quando se sente ouvida. Acho que a conheço melhor que ninguém. E ela a mim. Detetamos sentimentos por sinais e atitudes uma da outra, por silêncios, por sorrisos trémulos, por alegrias desmedidas. Somos o equilíbrio uma da outra. Ela dá-me força, coragem, para ir até onde ela não conseguiu chegar e fica orgulhosa quando lá chego ou ultrapasso essa meta. Ensinou-me a ser livre. Continua a apoiar-me em todas as decisões independentemente de estar de acordo ou não. Ensinou-me a importância de andar de cabeça erguida, de ser digna, de me dar ao respeito e respeitar os outros. De entender a diversidade humana. De assumir o erro. Da importância da justiça e da verdade acima de tudo. A ter os pés assentes no chão e não dar o passo maior que a perna, a ser consciente. Ensinou-me tanto, muito mais do que fui capaz de dizer… e todos os dias aprendo mais com ela. Minha Mãe.

quarta-feira, 4 de março de 2015



A aparência supostamente perfeita de alguém,
na opinião de muitos, sem nada a apontar,
 lembra-me uma casa acabada de arrumar
 onde parece não morar ninguém.

Há uns tempos atrás fui a uma formação em que a formadora estava impecavelmente vestida, penteada, maquilhada, calçada, até a esferográfica que usava brilhava entre as unhas de vermelho pintadas. Falava fluentemente e estava à vontade entre os formandos marcando desde logo o seu território. Eu não me estava a sentir inserida por várias razões e tinha de ultrapassar isso para melhor passar esses três dias. Estudei-lhe os movimentos e achei que havia ali qualquer coisa que não correspondia ao que estava à vista. Tomámos um café e falando de mulheres e do seu poder, das possibilidades de ascensão na carreira, etc, disse-lhe diretamente que achava que aquilo era só montra e acreditava que assim que abria a porta de casa mandava os sapatos de salto agulha pelo ar. Largou uma gargalhada e confessou-me que até o cabelo super liso que eu via era na realidade muito encaracolado e de outra cor. Mas que esta foi a imagem que construiu para se impor num mundo maioritariamente de homens, onde pelo facto de ser mulher era preterida. Ficámos amigas.
A verdadeira mulher estava camuflada. Gosta da sua profissão. Mas é quando despe a capa que o verdadeiro “eu” se mostra.

Ao mesmo tempo que acho triste, acho graça. Imagino mulheres cheias de artimanhas, artilhadas com chumaços, soutiens almofadados, jeans up, collants ventre liso, etc, extremamente bem maquilhadas, pestanas postiças e afins, que no derradeiro momento do romance em que se despem as roupas e a entrega física acontece, a força da gravidade manifesta-se inevitavelmente e tudo cai ! Oopsss…

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, tem de haver um meio termo (ou não). Não conheço ninguém que tenha nascido vestido !! Nascemos nus. E somos maravilhosos. E ninguém é perfeito. Algures em certa tribo procura-se sinais, marcas de qualquer tipo no corpo para provar que é humano, quem não tiver é considerado divino.

Haveria muito mais para dizer, explorando outros campos relacionados com aparências. E temos de lidar todos os dias com melhores ou piores, uns por umas razões outros por outras. A própria sociedade vive de aparências...

Sabem o que gosto mesmo ? de chegar a casa e continuar a ver a casa meio desarrumada a começar pelo tapete da sala que atualmente é cama de nenucos :)