Era á sombra da árvore de tília que as conversas entre as mulheres se desenrolavam sem pudores. Era ali que tudo se preparava relativamente à comida. De manhã, preparava-se a chocolatera (como dizia a avó) e cortava-se o pão para colocar sobre as brasas equilibrado com um garfo de dentes compridos já muito ferrujento. Depois era só barrar com a manteiga de fritar a carne e adoçar com um pouco de mel. Que maravilha ! Assim que acabava o pequeno almoço e os homens iam esticar as pernas, começava a preparação do almoço enquanto os mais novos se divertiam correndo atrás das galinhas ou escondendo-se dos primos mais novos no palheiro. Não havia alergias a nada nem bicho que picasse as peles mais sensíveis. O avô tinha sempre uns favos de mel para os netos chuparem e provarem o real sabor da vida no campo. Aquilo dava vida, dava energia, aquele pedaço do amor do avô era como uma bateria que aumentava a imunidade contra os desgostos que viriam pela frente. A avó ía tratar dos animais enquanto as noras lavavam a louça do pequeno almoço. Aquele borrego lindo que abanava o rabinho enquanto mamava com força no biberão que a avó improvisara, teria um triste fim na Páscoa... O mais novo dos primos parecia não ter medo de nada. Dizia asneiras e era ciumento, corria por cima de tudo, apanhava rãs no tanque onde se lavava a roupa e havia sempre o receio de que caísse na fonte das avencas onde se recolhia água para beber e cozinhar. Como puto reguila e destemido que era, tinha sempre um aspeto meio selvagem de cara suja e unhas encardidas. O olhar profundo e esverdiante, lembrava um felino sempre desconfiado mas brilhante aquando das vitórias. Éramos três naquele tempo. Somos quatro. Todos filhos únicos. Lamentavelmente sem contacto, a não ser entre os nossos pais. Mas apesar disso, devem guardar na memória estes e outros momentos partilhados. Depois do jantar, havia sempre uma série de jogo de dominó sob as sombras da fraca luz do candeeiro a petróleo. O avô ganhava sempre ! E isso sempre nos impressionou bastante até que numa noite um de nós percebeu que o avô trocava peças enquanto olhávamos para a lenha a arder na chaminé (era assim que chamávamos à lareira de chão onde se penduravam os enchidos). O avô negou afincadamente, culpando um dos filhos o que obviamente acendeu faíscas e acabou com o jogo. As mulheres, apaziguadoras, retiravam-se para preparar os colchões de palha onde cada um ía dormir, improvisando biombos com lençóis que penduravam nos frescos quartos espaçosos. Havia uma última saída noturna para satisfazer as necessidades fisiológicas e alguns minutos depois só se ouvia o piar das corujas. Na manhã seguinte, a avó fazia fatias paridas (fatias douradas mas só com água e ovos, sem leite) para mimar os netos - e que bem que sabia ! E logo após o pequeno almoço, voltava a conversa debaixo da Tília desta vez sobre a batotice da noite anterior. Tanta recordação boa...! Será que a Tília ainda lá está ? Cada vez que bebo um chá de tília, volta tudo com o sabor desses momentos.
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