Faz-me falta a tua prosa, e não percebeste ainda. Ou não queres perceber. Foi giro como nos "conhecemos", não sei nada de ti nem tu de mim, e no entanto houve alturas em que nos entendemos tão bem. E apenas por palavras, que é a meu ver a forma mais difícil de duas pessoas se entenderem. O que não dizias, tentava adivinhar, fazia "o filme" para logo a seguir deitares o cenário todo ao chão. Era bom, era um desafio constante, uma amizade que crescia (pensava eu...). Tudo tem a sua razão de ser. E por isso mesmo, como apareceste, desapareceste. Fico sem nada saber tal como não sabia. Dá me vontade de rir tudo isto e só por isso já valeu apena. Promessas, valem o que valem: nada.
Há coisas na vida que precisamos de passar por elas, transpô-las, atravessar mesmo. Depois é sacudir e seguir em frente sem olhar para trás. As vivências, as recordações, ficam connosco e o caminho faz-se de cara levantada para que os olhos consigam abarcar o chão e o horizonte, sem limitações. Tudo vem na hora certa, às vezes não percebemos é porquê. Mas quando nos afastamos de nós mesmos e dos outros, vimos tudo mais claro porque noutra dimensão, e aí as peças do puzzle começam a encaixar. E tenho alturas que os meus pés mal tocam o chão porque o sonho me invade a alma. Está a vir à minha memória um poema que declamei parte dele em criança (essa criança que nunca quero perder)...
Pedra Filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
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