Todos os dias era a correria do costume. Costume implementado há mais anos do que seria de esperar. Não que não pudesse ter começado antes, no tempo. Mas podia não ter sido tão enraizado só e apenas numa pessoa. Acreditava que era uma pequena conta a pagar por tamanha alegria com que era compensada sempre que olhava para aqueles seres maravilhosos. Havia coisas piores. Bem piores ao longo do tempo, que haviam de a surpreender quando esperava já não haverem surpresas. Não que não gostasse de surpresas, mas gostava que a fizessem sorrir, que lhe dessem um elogio, que apreciassem os seus gostos e habilidades. Todos os dias era a correria do costume. Levantar antes da "hora" para preparar o que faria falta durante o dia, desde lanches a dinheiro, horários, deslocações, assegurar transportes. Tratar da bicharada e dar um jeito na cozinha porque o cansaço era extremo na noite anterior e ficou (quase) tudo por fazer. Ok. Hora de acordar os mais pequenos com palavras doces e beijinhos para que ao abrirem os olhos não vejam um monstro mas uma mamã amiga. Dar-lhe pressa o resto do tempo se não tudo os distrai e serve de brincadeira. Olha para o relógio. Ainda há tempo para arrumar a roupa engomada. Faz as camas, Passa a mopa no chão. Alguém não encontra meias para calçar. Como não ?! Não foram para a gaveta ainda... A mãe ainda não está vestida. Corre. Entra no closet e tira um daqueles conjuntos pré pensados. Desce a escada de sapatos na mão, rímel fresco nos olhos, assusta-se com algo, diz uma asneira volta atrás passa desmaquilhante, torna a colocar rímel, olha para o relógio - está na hora ! há um filho descalço ainda ! Entra no carro transpirada já e segue caminho. Depois do episódio matinal, respira fundo e nem liga o rádio do carro. Os seus pensamentos fervilham e o coração tenta acalmar todo o peso de uma consciência. Sabe que faz o melhor que pode e sabe.
Pensou que seria bom ter um dia de folga. Não fez nada nesse dia. Nada !! Está cansada e já nem fala sózinha. Não se quer ouvir. Quer paz, silêncio. Foge das pessoas habituais. Aterra no sofá depois de um chá quente. Ainda tem frio. Tapa-se e adormece. Quando acorda o sol já se pôs. Outro dia passou. Os dias passam por ela sem que dê por isso. Abre os olhos no escuro e pensa "que dia tão desperdiçado, um dia sem amor, sem o verdadeiro sentido da vida". Mais valia ter feito a correria do costume. Essa correria é fruto de um amor muito grande, é viver em função de um projeto a longo prazo, é dedicar-se de corpo e alma a quem se ama, é esquecer-se de si própria para cuidar de outros. E sabe bem. Acredita que um dia alguém há de cuidar dela também. Alguém que saiba partilhar da alegria que lhe vem das suas paixões, que fique feliz de a ver feliz, que a entenda pelo olhar. Mas ainda está longe, o caminho é longo e a estrada tem altos e baixos. O dia chegará.
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