quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015


Resultado de imagem para violencia domestica

Não quero esquecer-me do que se passou ontem. Por isso quero escrever, para me ficar para sempre na memória. Foi simples mas intenso. Agressivo demais para correr o risco de não recordar. Tudo por causa de um saco de água quente que precisava para aliviar as dores nas costas. Dores essas, alvo de massagem pela pessoa em causa na noite anterior. Pois bem. Ontem insistiu em preparar-me o saco de água quente. Disse-lhe que não. Tinha a água a aquecer dentro de uma panela. Imaginei-o a deitar a água na boca pequena do saco e a queimar-se com os salpicos. “Não – eu preparo, obrigada.” Voltou a insistir e voltei a negar. Imediatamente desceu a escada com pés pesados e a bater no corrimão a falar alto que era sempre a mesma coisa, que fazia de tudo para provar que ele não me faz falta para nada, etc, etc…  saí do quarto e enfrentei-o, perguntei-lhe o porquê de tudo aquilo, o que estava a fazer… Volta o sentido, começa a subir as escadas de forma agressiva, chega ao cimo dá-me um empurrão para o lado do quarto que eu fiquei logo a chorar. Já estava com dores nas costas e parece que os músculos ficaram todos encolhidos com o medo que tive dele. Empurrou-me para o quarto e bateu com a porta. Os meninos tinham acabado de se deitar. Com tanta violência pensei seriamente que me ía bater e disse-lhe. “Nem mereces que te bata !” foi a resposta “Pões-me maluco! O que é que tu queres ?” eu só chorava e dizia “não faças isso…” com medo das minhas costas. Estúpido. Bruto. Disse-lhe que se era para isto ele que desaparecesse, que não me chateie, só me põe a chorar, que raio de amor é que diz que me tem… obsessão, isso sim, medo de ficar sozinho, e diz que não quer ser o coitadinho … lá consegui sair e ir para a casa de banho. Preparei o saco de água quente e deitei-me como pude, com ele a assistir. Besta. Daí a um bocado veio deitar-se. Queria saber se estava melhor e se queria ajeitar o saco. Respondi sempre que não a tudo. “Vá lá engole o orgulho…” teve a lata de me dizer ! e a minha dignidade e auto estima ficam onde ?!

excerto de um diário, anónimo, ed. Res. AC/2014

Há mulheres que suportam muito nas suas vidas. E hoje não quero falar dos homens que poderão ser vítimas. Sou mulher e conheci já situações inadmissíveis em relações que são verdadeiras ralações. Uma teve de pegar no filho e fugir para longe de tudo sem poder contatar com ninguém. Contou com apoio de uma instituição. Largou tudo e saiu com a roupa do corpo. Muito nova mas de fibra, conseguiu arranjar trabalho e dar estabilidade ao filho. Infelizmente, muitas das situações de violência doméstica não acabam da melhor forma. Ou não apresentam queixa com medo de represálias, ou se apresentam retiram-na mais tarde, ou não têm apoio. Às vezes basta uma pessoa, uma palavra amiga de um desconhecido para que a mente se abra a novas realidades e faça a diferença e se tome coragem para a alteração fundamental. Mas as fragilidades são muitas, é sempre necessário apoio bem estruturado, conhecimento. E o que levará estes homens a perseguirem, a ameaçarem, a serem dominados por obsessões, por comportamentos patológicos de tal ordem que ou assassinam a vítima ou levam a que a mesma se suicide ???? Mais uma perdeu a vida. Hoje estou sem respostas. E triste.

2 comentários:

  1. Também não tenho respostas. Por isso mesmo isto é um "comentário". Comento que saber as causas é sempre importante para resolver os problemas, mesmo que possamos actuar nas consequências sem esse conhecimento. (Comento que escrevo com "c" extra nas palavras, apesar do corrector ortográfico não gostar.) Os seres humanos são bichos. Ser bicho tem coisas boas e coisas más. Somos nós, na nossa cabeça, que fazemos o julgamento e a distinção entre ambos. Compete-nos, de acordo com esse julgamento, domar o bicho.

    Haverá uma tendência para os homens serem mais agressivos em função das respectivas hormonas?
    Haverá uma tendência para a maioria das vítimas serem mulheres como consequência da estatura média dos homens e das mulheres?
    Haverá influências culturais, no modo como se educam (e isso inclui as próprias mães) as crianças para serem homens ou mulheres?
    Haverá na sociedade um medo generalizado de enfrentar as situações ou os outros porque se acredita que no meio é que está a virtude, que a transigência e a benevolência são valores absolutos, porque todos têm carências afectivas e tentamos sempre pôr paninhos e dizer que não foi nada?...

    Deveremos financiar programas gratuitos de musculação e artes marciais para as mulheres?

    Ou deveremos apostar numa sociedade mais maternal, mais inclusiva, mas ao mesmo tempo mais intransigente com o que é inaceitável? Uma sociedade onde não existam tantas carências de afecto e tantas frustrações... Uma sociedade onde, por isso mesmo, também as mulheres e os homens não sejam tão dependentes de relações que afinal são apenas ralações?...

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  2. Obrigada por estares aí. O que apresentas no último parágrafo é pertinente. Aposto no amor. Tem de ser este o caminho.

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