sábado, 9 de março de 2019

Vi-a no fim da rua, um balde em cada mão, encolhida, e subitamente pareceu-me muito mais pequena do que me lembrava dela. Era uma mulher alta de olhos claros, o cabelo sempre arranjado, de gargalhada espontânea. Conhecida na aldeia pelo negócio do marido, com loja aberta numa das principais ruas. Acumulava peças valiosas em casa mas foi sempre uma "mãos largas" para quem a visitava. Eram frequentes os almoços animados, a casa sempre cheia, os sobrinhos a serem criados por ela até serem crescidos. Um dia a tragédia abateu-se sobre a sua casa e o único filho ficou às portas da morte. Logo aí, era suposto ter recebido mais apoio do que o repúdio que se verificou. Uns bons anos mais tarde ficou viúva. Sem a principal fonte de rendimento, o nível de vida começou a decair. Acabaram os almoços. Aos poucos, a solidão tomou conta de mãe e filho. Ela tem receio que ele faleça à sua frente por tanto problema de saúde e pede a Deus que a mantenha viva para ir cuidando da sua maior e única fortuna: o filho. Diz que todas as dificuldades que passou foram ultrapassadas porque alivia todas as noites com as lágrimas que lhe rolam rosto abaixo. Fez 89 anos. Era a melhor amiga da minha avó. Ainda hoje me disse que nunca questionou as suas confidências que guarda religiosamente. Falou-me de coisas que faziam juntas, como cantar, ir ao campo apanhar terra para os vasos de flores que adoravam... Disse-me mais, "tu sempre foste a maior riqueza da tua avó". Esta senhora é um pedacinho da minha avó neste mundo, e foi por isso que quando a vi, tive de ir ter com ela. E abracei-a e beijei-a e choramos as duas e... minha querida amiga.
Imagem relacionada

Sem comentários:

Enviar um comentário