Gosto de observar pessoas. Não é segredo para ninguém. E quanto menos conheço as pessoas, mais gosto de as observar. Não são escolhidas ao acaso. Há qualquer coisa nelas que me desperta a curiosidade e como que por magia, a partir do primeiro dia começo a cruzar-me com elas frequentemente mesmo sem as procurar. Leva-me a acreditar que há uma justificação para que isso aconteça. E por vezes ... assusta-me. Que papel é o meu ? Porque faço isto ? Não sei.
Já o observo há algum tempo. Via-o no período de almoço muito raramente. O seu ar introvertido olhando para o chão enquanto caminha e fuma um cigarro, chamou-me a atenção pelo andar característico que parecia denunciar uma certa descordenação motora. Um dia, estava eu a almoçar e ele entrou e perguntou-me qualquer coisa enquanto pegava numa cadeira do lado oposto da mesa. Acenei que sim pois pareceu-me que queria sentar-se a almoçar também. E assim foi. E percebi quando fez o pedido, que também as palavras tinham sido pronunciadas num tom oscilante e com fraca dicção. Comeu mais rápido do que eu sem mais nada dizer. Não voltámos a comer "juntos" embora já nos tivéssemos cruzado no mesmo local outra vez.
Numa manhã depois disso, enquanto procuro estacionamento, vejo-o a fumar um cigarro ao lado do local onde trabalho. Apercebo-me então que afinal trabalhamos "lado a lado". A partir daí, já o encontrei mais vezes nessa situação, a essa mesma hora.
À parte o problema neurológico que evidencia, parece-me uma pessoa comum, com uma vida rotineira como tantas outras pessoas. Anda sózinho, almoça sózinho, fala bem a toda a gente que conhece, tem o seu emprego...
Uma manhã que cheguei ligeiramente mais cedo, estacionei à porta do emprego e antes de sair do carro pude vê-lo um pouco distante do que é habitual. Movimentos característicos, tão conhecidos por quem já presenciou tanta coisa, aquele ligeiro dobrar de coluna enquanto olha para todo o lado e vira as costas se alguém passa, com a palma da mão esquerda aberta enquanto a outra trabalha, a mortalha que enrola e depois se humedece... Desiludiu-me. Não esperava.
Hoje voltei a vê-lo. A barba que entretanto deixou crescer compõe-lhe a face e acentua-lhe o olhar expressivo. O que irá dentro daquela mente ? O que será que o move, que explica as suas opções de vida ? Terá quem o ouça se quiser partilhar pensamentos mais íntimos ?
Continuo a observá-lo. Apenas isso.
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